15 maio 2010

Homilia do Santo Padre - 13 Maio 2010, em Fátima

Queridos peregrinos,


«A linhagem do povo de Deus será conhecida […] como linhagem que o Senhor abençoou» (Is 61, 9). Assim começava a primeira leitura desta Eucaristia, cujas palavras encontram uma realização admirável nesta devota assembleia aos pés de Nossa Senhora de Fátima. Irmãs e irmãos muito amados, também eu vim como peregrino a Fátima, a esta «casa» que Maria escolheu para nos falar nos tempos modernos. Vim a Fátima para rejubilar com a presença de Maria e sua materna protecção. Vim a Fátima, porque hoje converge para aqui a Igreja peregrina, querida pelo seu Filho como instrumento de evangelização e sacramento de salvação. Vim a Fátima para rezar, com Maria e tantos peregrinos, pela nossa humanidade acabrunhada por misérias e sofrimentos. Enfim, com os mesmos sentimentos dos Beatos Francisco e Jacinta e da Serva de Deus Lúcia, vim a Fátima para confiar a Nossa Senhora a confissão íntima de que «amo», de que a Igreja, de que os sacerdotes «amam» Jesus e n’Ele desejam manter fixos os olhos ao terminar este Ano Sacerdotal, e para confiar à protecção materna de Maria os sacerdotes, os consagrados e consagradas, os missionários e todos os obreiros do bem que tornam acolhedora e benfazeja a Casa de Deus.
São a linhagem que o Senhor abençoou… Linhagem que o Senhor abençoou és tu, amada diocese de Leiria-Fátima, com o teu Pastor Dom António Marto, a quem agradeço a saudação inicial e todas as atenções com que me cumulou nomeadamente através de seus colaboradores neste santuário. Saúdo o Senhor Presidente da República e demais autoridades ao serviço desta Nação gloriosa. Idealmente abraço todas as dioceses de Portugal, aqui representadas pelos seus Bispos, e confio ao Céu todos os povos e nações da terra. Em Deus, estreito ao coração todos os seus filhos e filhas, especialmente quantos vivem atribulados ou abandonados, no desejo de comunicar-lhes aquela esperança grande que arde no meu coração e que, em Fátima, se faz encontrar mais sensivelmente. A nossa grande esperança lance raízes na vida de cada um de vós, amados peregrinos aqui presentes, e de quantos estão em comunhão connosco através dos meios de comunicação social.
Sim! O Senhor, a nossa grande esperança, está connosco; no seu amor misericordioso, oferece um futuro ao seu povo: um futuro de comunhão consigo. Tendo experimentado a misericórdia e consolação de Deus que não o abandonara no fatigante caminho do regresso do exílio de Babilónia, o povo de Deus exclama: «Exulto de alegria no Senhor, a minha alma rejubila no meu Deus» (Is 61, 10). Filha excelsa deste povo é a Virgem
Mãe de Nazaré, a qual, revestida de graça e docemente surpreendida com a gestação de Deus que se estava operando no seu seio, faz igualmente sua esta alegria e esta esperança no cântico do Magnificat: «O meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador». Entretanto não se vê como privilegiada no meio de um povo estéril, antes profetiza-lhe as doces alegrias duma prodigiosa maternidade de Deus, porque «a sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que O temem» (Lc 1, 47.50).
Prova disto mesmo é este lugar bendito. Mais sete anos e voltareis aqui para celebrar o centenário da primeira visita feita pela Senhora «vinda do Céu», como Mestra que introduz os pequenos videntes no conhecimento íntimo do Amor Trinitário e os leva a saborear o próprio Deus como o mais belo da existência humana. Uma experiência de graça que os tornou enamorados de Deus em Jesus, a ponto da Jacinta exclamar: «Gosto tanto de dizer a Jesus que O amo. Quando Lho digo muitas vezes, parece que tenho um lume no peito, mas não me queimo». E o Francisco dizia: «Do que gostei mais foi de ver a Nosso Senhor, naquela luz que Nossa Senhora nos meteu no peito. Gosto tanto de Deus!» (Memórias da Irmã Lúcia, I, 40 e 127).
Irmãos, ao ouvir estes inocentes e profundos desabafos místicos dos Pastorinhos, poderia alguém olhar para eles com um pouco de inveja por terem visto ou com a desiludida resignação de quem não teve essa sorte mas insiste em ver. A tais pessoas, o Papa diz como Jesus: «Não andareis vós enganadas, ignorando as Escrituras e o poder de Deus?» (Mc 12, 24). As Escrituras convidam-nos a crer: «Felizes os que acreditam sem terem visto» (Jo 20, 29), mas Deus – mais íntimo a mim mesmo de quanto o seja eu próprio (cf. Santo Agostinho, Confissões, III, 6, 11) – tem o poder de chegar até nós nomeadamente através dos sentidos interiores, de modo que a alma recebe o toque suave de algo real que está para além do sensível, tornando-a capaz de alcançar o não-sensível, o não-visível aos sentidos. Para isso exige-se uma vigilância interior do coração que, na maior parte do tempo, não possuímos por causa da forte pressão das realidades externas e das imagens e preocupações que enchem a alma (cf. Card. Joseph Ratzinger, Comentário teológico da Mensagem de Fátima, ano 2000). Sim! Deus pode alcançar-nos, oferecendo-Se à nossa visão interior.
Mais ainda, aquela Luz no íntimo dos Pastorinhos, que provém do futuro de Deus, é a mesma que se manifestou na plenitude dos tempos e veio para todos: o Filho de Deus feito homem. Que Ele tem poder para incendiar os corações mais frios e tristes, vemo-lo nos discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 32). Por isso a nossa esperança tem fundamento real, apoia-se num acontecimento que se coloca na história e ao mesmo tempo excede-a: é Jesus de Nazaré. E o entusiasmo que a sua sabedoria e poder salvífico suscitavam nas pessoas de então era tal que uma mulher do meio da multidão – como ouvimos no Evangelho – exclama: «Feliz Aquela que Te trouxe no seu ventre e Te amamentou ao seu peito». Contudo Jesus observou: «Mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 11, 27. 28). Mas quem tem tempo para escutar a sua palavra e deixar-se fascinar pelo seu amor? Quem vela, na noite da dúvida e da incerteza, com o coração acordado em oração? Quem espera a aurora do dia novo, tendo acesa a chama da fé? A fé em Deus abre ao homem o horizonte de uma esperança certa que não desilude; indica um sólido fundamento sobre o qual apoiar, sem medo, a própria vida; pede o abandono, cheio de confiança, nas mãos do Amor que sustenta o mundo.
«A linhagem do povo de Deus será conhecida […] como linhagem que o Senhor abençoou» (Is 61, 9) com uma esperança inabalável e que frutifica num amor que se sacrifica pelos outros, mas não sacrifica os outros; antes – como ouvimos na segunda leitura – «tudo desculpa, tudo acredita, tudo espera, tudo suporta» (1 Cor 13, 7). Exemplo e estímulo são os Pastorinhos, que fizeram da sua vida uma doação a Deus e uma partilha com os outros por amor de Deus. Nossa Senhora ajudou-os a abrir o coração à universalidade do amor. De modo particular, a beata Jacinta mostrava-se incansável na partilha com os pobres e no sacrifício pela conversão dos pecadores. Só com este amor de fraternidade e partilha construiremos a civilização do Amor e da Paz.
Iludir-se-ia quem pensasse que a missão profética de Fátima esteja concluída. Aqui revive aquele desígnio de Deus que interpela a humanidade desde os seus primórdios: «Onde está Abel, teu irmão? […] A voz do sangue do teu irmão clama da terra até Mim» (Gn 4, 9). O homem pôde despoletar um ciclo de morte e terror, mas não consegue interrompê-lo… Na Sagrada Escritura, é frequente aparecer Deus à procura de justos para salvar a cidade humana e o mesmo faz aqui, em Fátima, quando Nossa Senhora pergunta: «Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em acto de reparação pelos pecados com que Ele mesmo é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?» (Memórias da Irmã Lúcia, I, 162).
Com a família humana pronta a sacrificar os seus laços mais sagrados no altar de mesquinhos egoísmos de nação, raça, ideologia, grupo, indivíduo, veio do Céu a nossa bendita Mãe oferecendo-Se para transplantar no coração de quantos se Lhe entregam o Amor de Deus que arde no seu. Então eram só três, cujo exemplo de vida irradiou e se multiplicou em grupos sem conta por toda a superfície da terra, nomeadamente à passagem da Virgem Peregrina, que se votaram à causa da solidariedade fraterna. Possam os sete anos que nos separam do centenário das Aparições apressar o anunciado triunfo do Coração Imaculado de Maria para glória da Santíssima ...

14 maio 2010

Palavras do Santo Padre na Celebração das Vésperas (12 Maio 2010)

Queridos irmãos e irmãs,

«Ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher […] para nos tornar seus filhos adoptivos» (Gal 4, 4.5). A plenitude dos tempos chegou, quando o Eterno irrompeu no tempo; por obra e graça do Espírito Santo, o Filho do Altíssimo foi concebido e fez-Se homem no seio de uma mulher: a Virgem Mãe, tipo e modelo excelso da Igreja crente. Esta não cessa de gerar novos filhos no Filho, que o Pai quis primogénito de muitos irmãos. Cada um de nós é chamado a ser, com Maria e como Maria, um sinal humilde e simples da Igreja que continuamente se oferece como esposa nas mãos do seu Senhor.
A todos vós que doastes a vida a Cristo, desejo nesta tarde exprimir o apreço e reconhecimento eclesial. Obrigado pelo vosso testemunho muitas vezes silencioso e nada fácil; obrigado pela vossa fidelidade ao Evangelho e à Igreja. Em Jesus presente na Eucaristia, abraço os meus irmãos no sacerdócio e os diáconos, consagradas e consagrados, seminaristas e membros dos movimentos e novas comunidades eclesiais aqui presentes. Queira o Senhor recompensar, como só Ele sabe e pode fazer, quantos tornaram possível encontrarmo-nos aqui junto de Jesus Eucaristia, designadamente a Comissão Episcopal das Vocações e Ministérios com o seu Presidente, Dom António Santos, a quem agradeço as palavras repassadas de afecto colegial e fraterno pronunciadas no início das Vésperas. Neste ideal «cenáculo» de fé que é Fátima, a Virgem Mãe indica-nos o caminho para a nossa oblação pura e santa nas mãos do Pai.
Permiti abrir-vos o coração para vos dizer que a principal preocupação de todo o cristão, nomeadamente da pessoa consagrada e do ministro do Altar, há-de ser a fidelidade, a lealdade à própria vocação, como discípulo que quer seguir o Senhor. A fidelidade no tempo é o nome do amor; de um amor coerente, verdadeiro e profundo a Cristo Sacerdote. «Se o Baptismo é um verdadeiro ingresso na santidade de Deus através da inserção em Cristo e da habitação do seu Espírito, seria um contra-senso contentar-se com uma vida medíocre, pautada por uma ética minimalista e uma religiosidade superficial» (João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte, 31). Neste Ano Sacerdotal, já a caminho do fim, uma graça abundante desça sobre todos vós para viverdes a alegria da consagração e testemunhardes a fidelidade sacerdotal alicerçada na fidelidade de Cristo. Isto supõe, evidentemente, uma verdadeira intimidade com Cristo na oração, pois será a experiência forte e intensa do amor do Senhor que há-de levar os
sacerdotes e os consagrados a corresponderem ao seu amor de modo exclusivo e esponsal.
Esta vida de especial consagração nasceu como memória evangélica para o povo de Deus, memória que manifesta, atesta e anuncia a toda a Igreja o radicalismo evangélico e a vinda do Reino. Pois bem, queridos consagrados e consagradas, com o vosso empenho na oração, na ascese, no progresso da vida espiritual, na acção apostólica e na missão, tendeis para a Jerusalém Celeste, antecipais a Igreja escatológica, firme na posse e contemplação amorosa de Deus-Amor. Como é grande, hoje, a necessidade deste testemunho! Muitos dos nossos irmãos vivem como se não houvesse um Além, sem se importar com a própria salvação eterna. Os homens são chamados a aderir ao conhecimento e ao amor de Deus, e a Igreja tem a missão de os ajudar nesta vocação. Bem sabemos que Deus é senhor dos seus dons; e a conversão dos homens é graça. Mas somos responsáveis pelo anúncio da fé, da totalidade da fé, e das suas exigências. Queridos amigos, imitemos o Cura d’Ars que assim rezava ao bom Deus: «Concedei-me a conversão da minha paróquia, e eu estou pronto a sofrer o que Vós quiserdes, todo o resto da vida». E tudo fez para arrancar as pessoas à própria tibieza a fim de as reconduzir ao amor.
Há uma solidariedade profunda entre todos os membros do Corpo de Cristo: não é possível amá-Lo, sem amar os seus irmãos. Foi para a salvação deles que João Maria Vianney quis ser sacerdote: «Ganhar as almas para o Bom Deus», declarava ele ao anunciar a sua vocação, aos dezoito anos de idade, tal como Paulo dizia: «Ganhar a todos» (1 Cor 9, 19). O Vigário Geral tinha-lhe dito: «Não há muito amor de Deus na paróquia, vós introduzi-lo-eis». E, na sua paixão sacerdotal, o santo pároco era misericordioso como Jesus no encontro com cada pecador. Preferia insistir sobre o lado atraente da virtude, sobre a misericórdia de Deus diante da qual os nossos pecados são «grãos de areia». Mostrava a ternura de Deus ofendida. Temia que os sacerdotes «se insensibilizassem» e habituassem à indiferença dos seus fiéis: «Ai do Pastor – advertia – que fica calado ao ver Deus ultrajado e as almas perderem-se!»
Amados irmãos sacerdotes, neste lugar que Maria fez tão especial, tendo diante dos olhos a sua vocação de discípula fiel do Filho Jesus desde a sua conceição até à Cruz e depois no caminho da Igreja nascente, considerai a graça inaudita do vosso sacerdócio. A fidelidade à própria vocação exige coragem e confiança, mas o Senhor quer também que saibais unir as vossas forças; sede solícitos uns pelos outros, sustentando-vos fraternalmente. Os momentos de oração e estudo em comum, de partilha das exigências da vida e trabalho sacerdotal são uma parte necessária da vossa vida. Como é maravilhoso quando vos acolheis uns aos outros nas vossas casas, com a paz de Cristo nos vossos corações! Como é importante que vos ajudeis mutuamente por meio da oração e com conselhos e discernimentos úteis! Particular atenção vos devem merecer as situações de um certo esmorecimento dos ideais sacerdotais ou a dedicação a actividades que não concordem integralmente com o que é próprio de um ministro de Jesus Cristo. Então é hora de assumir, juntamente com o calor da fraternidade, a atitude firme do irmão que ajuda seu irmão a manter-se de pé.
Embora o sacerdócio de Cristo seja eterno (cf. Heb 5, 6), a vida dos sacerdotes é limitada. Cristo quer que outros perpetuem ao longo dos tempos o sacerdócio ministerial por Ele instituído. Por isso mantende, dentro de vós e ao vosso redor, a inquietude por suscitar – secundando a graça do Espírito Santo – novas vocações
sacerdotais entre os fiéis. A oração confiante e perseverante, o amor jubiloso à própria vocação e um dedicado trabalho de direcção espiritual permitir-vos-ão discernir o carisma vocacional naqueles que são chamados por Deus.
A vós, queridos seminaristas, que já destes o primeiro passo para o sacerdócio e estais a preparar-vos no Seminário Maior ou nas Casas de Formação Religiosa, o Papa encoraja-vos a serdes conscientes da grande responsabilidade que ides assumir: examinai bem as intenções e as motivações; dedicai-vos com ânimo forte e espírito generoso à vossa formação. A Eucaristia, centro da vida do cristão e escola de humildade e serviço, deve ser o objecto principal do vosso amor. A adoração, a piedade e o cuidado do Santíssimo Sacramento, durante estes anos de preparação, farão com que um dia celebreis o Sacrifício do Altar com unção edificante e verdadeira.
Neste caminho de fidelidade, amados sacerdotes e diáconos, consagrados e consagradas, seminaristas e leigos comprometidos, guia-nos e acompanha-nos a Bem-aventurada Virgem Maria. Com Ela e como Ela somos livres para ser santos; livres para ser pobres, castos e obedientes; livres para todos, porque desapegados de tudo; livres de nós mesmos para que em cada um cresça Cristo, o verdadeiro consagrado do Pai e o Pastor ao qual os sacerdotes emprestam voz e gestos, de Quem são presença; livres para levar à sociedade actual Jesus Cristo morto e ressuscitado, que permanece connosco até ao fim dos séculos e a todos Se dá na Santíssima Eucaristia.

12 maio 2010

Homília do Santo Padre no Terreiro do Paço


Queridos Irmãos e Irmãs, Jovens amigos!
«Ide fazer discípulos de todas as nações, […] ensinai-lhes a cumprir tudo quanto vos mandei. E Eu estou sempre convosco, até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). Estas palavras de Cristo ressuscitado revestem-se de um significado particular nesta cidade de Lisboa, donde partiram em grande número gerações e gerações de cristãos – bispos, sacerdotes, consagrados e leigos, homens e mulheres, jovens e menos jovens –, obedecendo ao apelo do Senhor e armados simplesmente com esta certeza que lhes deixou: «Eu estou sempre convosco». Glorioso é o lugar conquistado por Portugal entre as nações pelo serviço prestado à dilatação da fé: nas cinco partes do mundo, há Igrejas locais que tiveram origem na missionação portuguesa.
Nos tempos passados, a vossa saída em demanda de outros povos não impediu nem destruiu os vínculos com o que éreis e acreditáveis, mas, com sabedoria cristã, pudestes transplantar experiências e particularidades abrindo-vos ao contributo dos outros para serdes vós próprios, em aparente debilidade que é força. Hoje, participando na edificação da Comunidade Europeia, levai o contributo da vossa identidade cultural e religiosa. De facto, Jesus Cristo, assim como Se uniu aos discípulos a caminho de Emaús, assim também caminha connosco segundo a sua promessa: «Estou sempre convosco, até ao fim dos tempos». Apesar de ser diferente da dos Apóstolos, temos também nós uma verdadeira e pessoal experiência da presença do Senhor ressuscitado. A distância dos séculos é superada e o Ressuscitado oferece-Se vivo e operante, por nós, no hoje da Igreja e do mundo. Esta é a nossa grande alegria. No rio vivo da Tradição eclesial, Cristo não está a dois mil anos de distância, mas está realmente presente entre nós e dá-nos a Verdade, dá-nos a luz que nos faz viver e encontrar a estrada para o futuro.
Presente na sua Palavra, na assembleia do Povo de Deus com os seus Pastores e, de modo eminente, no sacramento do seu Corpo e do seu Sangue, Jesus está connosco aqui. Saúdo o Senhor Cardeal-Patriarca de Lisboa, a quem agradeço as calorosas palavras que me dirigiu, no início da celebração, em nome da sua comunidade que me acolhe e que abraço nos seus quase dois milhões de filhos e filhas; a todos vós aqui presentes – amados Irmãos no episcopado e no sacerdócio, prezadas mulheres e homens consagrados e leigos comprometidos, queridas famílias e jovens, baptizados e catecúmenos – dirijo a minha saudação fraterna e amiga, que estendo a quantos estão unidos connosco através da rádio e da televisão.
Sentidamente agradeço a presença do Senhor Presidente da República e demais Autoridades, com menção particular do Presidente da Câmara de Lisboa que teve a amabilidade de honrar-me com a entrega das chaves da cidade.
Lisboa amiga, porto e abrigo de tantas esperanças que te confiava quem partia e pretendia quem te visitava, gostava hoje de usar as chaves que me entregas para alicerçar as tuas esperanças humanas na Esperança divina. Na leitura há pouco proclamada da Epístola de São Pedro, ouvimos dizer: «Eu vou pôr em Sião uma pedra angular, escolhida e preciosa. E quem nela acreditar não será confundido». E o Apóstolo explica: «Aproximai-vos do Senhor. Ele é a pedra viva, rejeitada, é certo, pelos homens, mas aos olhos de Deus escolhida e preciosa» (1 Pd 2, 6.4).
Irmãos e irmãs, quem acreditar em Jesus não será confundido: é Palavra de Deus, que não Se engana
nem pode enganar. Palavra confirmada por uma «multidão que ninguém pode contar e provém de todas as nações, tribos, povos e línguas», e que o autor do Apocalipse viu vestida de «túnicas brancas e com palmas na mão» (Ap 7, 9). Nesta multidão incontável, não estão apenas os Santos Veríssimo, Máxima e Júlia, aqui martirizados na perseguição de Diocleciano, ou São Vicente, diácono e mártir, padroeiro principal do Patriarcado; Santo António e São João de Brito que daqui partiram para semear a boa semente de Deus noutras terras e gentes, ou São Nuno de Santa Maria que, há pouco mais de um ano, inscrevi no livro dos Santos. Mas é formada pelos «servos do nosso Deus» de todos os tempos e lugares, em cuja fronte foi traçado o sinal da cruz com «o sinete de marcar do Deus vivo» (Ap 7, 2): o Espírito Santo. Trata-se do rito inicial cumprido sobre cada um de nós no sacramento do Baptismo, pelo qual a Igreja dá à luz os «santos».
Sabemos que não lhe faltam filhos insubmissos e até rebeldes, mas é nos Santos que a Igreja reconhece os seus traços característicos e, precisamente neles, saboreia a sua alegria mais profunda. Irmana-os, a todos, a vontade de encarnar na sua existência o Evangelho, sob o impulso do eterno animador do Povo de Deus que é o Espírito Santo. Fixando os seus Santos, esta Igreja local concluiu justamente que a prioridade pastoral hoje é fazer de cada mulher e homem cristão uma presença irradiante da perspectiva evangélica no meio do mundo, na família, na cultura, na economia, na política. Muitas vezes preocupamo-nos afanosamente com as consequências sociais, culturais e políticas da fé, dando por suposto que a fé existe, o que é cada vez menos realista. Colocou-se uma confiança talvez excessiva nas estruturas e nos programas eclesiais, na distribuição de poderes e funções; mas que acontece se o sal se tornar insípido?
Para isso é preciso voltar a anunciar com vigor e alegria o acontecimento da morte e ressurreição de Cristo, coração do cristianismo, fulcro e sustentáculo da nossa fé, alavanca poderosa das nossas certezas, vento impetuoso que varre qualquer medo e indecisão, qualquer dúvida e cálculo humano. A ressurreição de Cristo assegura-nos que nenhuma força adversa poderá jamais destruir a Igreja. Portanto a nossa fé tem fundamento, mas é preciso que esta fé se torne vida em cada um de nós. Assim há um vasto esforço capilar a fazer para que cada cristão se transforme em testemunha capaz de dar conta a todos e sempre da esperança que o anima (cf. 1 Pd 3, 15): só Cristo pode satisfazer plenamente os anseios profundos de cada coração humano e responder às suas questões mais inquietantes acerca do sofrimento, da injustiça e do mal, sobre a morte e a vida do Além.
Queridos Irmãos e jovens amigos, Cristo está sempre connosco e caminha sempre com a sua Igreja, acompanha-a e guarda-a, como Ele nos disse: «Eu estou sempre convosco, até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). Nunca duvideis da sua presença! Procurai sempre o Senhor Jesus, crescei na amizade com Ele, comungai-O. Aprendei a ouvir e a conhecer a sua palavra e também a reconhecê-Lo nos pobres. Vivei a vossa vida com alegria e entusiasmo, certos da sua presença e da sua amizade gratuita, generosa, fiel até à morte de cruz. Testemunhai a alegria desta sua presença forte e suave a todos, a começar pelos da vossa idade. Dizei-lhes que é belo ser amigo de Jesus e que vale a pena segui-Lo. Com o vosso entusiasmo, mostrai que, entre tantos modos de viver que hoje o mundo parece oferecer-nos – todos aparentemente do mesmo nível –, só seguindo Jesus é que se encontra o verdadeiro sentido da vida e, consequentemente, a alegria verdadeira e duradoura.
Buscai diariamente a protecção de Maria, a Mãe do Senhor e espelho de toda a santidade. Ela, a Toda Santa, ajudar-vos-á a ser fiéis discípulos do seu Filho Jesus Cristo.

11 maio 2010

Discurso do Santo Padre na sua chegada a Portugal


Senhor Presidente da República,
Ilustres Autoridades da Nação,
Venerados Irmãos no Episcopado,
Senhoras e Senhores!

Só agora me foi possível aceder aos amáveis convites do Senhor Presidente e dos meus
Irmãos Bispos para visitar esta amada e antiga Nação, que comemora no corrente ano um século
da proclamação da República. Ao pisar o seu solo pela primeira vez desde que a Providência
divina me chamou à Sé de Pedro, sinto-me honrado e agradecido pela presença deferente e
acolhedora de todos vós. Agradeço-lhe, Senhor Presidente, as suas cordiais expressões de boasvindas,
dando voz aos sentimentos e esperanças do bom povo português. Para todos,
independentemente da sua fé e religião, vai a minha saudação amiga, com um pensamento
particular para quantos não podem vir ao meu encontro. Venho como peregrino de Nossa
Senhora de Fátima, investido pelo Alto na missão de confirmar os meus irmãos que avançam na
sua peregrinação a caminho do Céu.
Logo aos alvores da nacionalidade, o povo português voltou-se para o Sucessor de Pedro
esperando na sua arbitragem para ver reconhecida a própria existência como Nação; mais tarde,
um meu Predecessor havia de honrar Portugal, na pessoa do seu Rei, com o título de fidelíssimo
(cf. Pio II, Bula Dum tuam, 25/I/1460), por altos e continuados serviços à causa do Evangelho.
Que depois, há 93 anos, o Céu se abrisse precisamente sobre Portugal – como uma janela de
esperança que Deus abre quando o homem lhe fecha a porta – para reatar, no seio da família
humana, os laços da solidariedade fraterna assente no mútuo reconhecimento de um só e mesmo
Pai, trata-se de um amoroso desígnio de Deus; não dependeu do Papa nem de qualquer outra
autoridade eclesial: «Não foi a Igreja que impôs Fátima – diria o Cardeal Manuel Cerejeira, de
veneranda memória –, mas Fátima que se impôs à Igreja».
Veio do Céu a Virgem Maria para nos recordar verdades do Evangelho que são para a
humanidade, fria de amor e desesperada de salvação, fonte de esperança. Naturalmente esta
esperança tem como dimensão primária e radical, não a relação horizontal, mas a vertical e
transcendente. A relação com Deus é constitutiva do ser humano: foi criado e ordenado para
Deus, procura a verdade na sua estrutura cognitiva, tende ao bem na esfera volitiva, é atraído
pela beleza na dimensão estética. A consciência é cristã na medida em que se abre à plenitude
da vida e da sabedoria, que temos em Jesus Cristo. A visita, que agora inicio sob o signo da
esperança, pretende ser uma proposta de sabedoria e de missão.
De uma visão sábia sobre a vida e sobre o mundo deriva o ordenamento justo da sociedade.
Situada na história, a Igreja está aberta a colaborar com quem não marginaliza nem privatiza a
essencial consideração do sentido humano da vida. Não se trata de um confronto ético entre um
sistema laico e um sistema religioso, mas de uma questão de sentido à qual se entrega a própria
liberdade. O que divide é o valor dado à problemática do sentido e a sua implicação na vida
pública. A viragem republicana, operada há cem anos em Portugal, abriu, na distinção entre
Igreja e Estado, um espaço novo de liberdade para a Igreja, que as duas Concordatas de 1940 e
2004 formalizariam, em contextos culturais e perspectivas eclesiais bem demarcados por rápida
mudança. Os sofrimentos causados pelas mutações foram enfrentados geralmente com coragem.
Viver na pluralidade de sistemas de valores e de quadros éticos exige uma viagem ao centro de
si mesmo e ao cerne do cristianismo para reforçar a qualidade do testemunho até à santidade,
inventar caminhos de missão até à radicalidade do martírio.
Queridos irmãos e amigos portugueses, agradeço-vos uma vez mais as calorosas boasvindas.
Deus abençoe a quantos aqui se encontram e todos os habitantes desta nobre e dilecta
Nação, que confio a Nossa Senhora de Fátima, imagem sublime do amor de Deus que a todos
abraça como filhos.

Visita do Santo Padre Bento XVI ao nosso país


BIOGRAFIA

O Cardeal Joseph Ratzinger, Papa Bento XVI, nasceu em Marktl am Inn, diocese de Passau (Alemanha), no dia 16 de Abril de 1927 (Sábado Santo), e foi baptizado no mesmo dia. O seu pai, comissário da polícia, provinha duma antiga família de agricultores da Baixa Baviera, de modestas condições económicas. A sua mãe era filha de artesãos de Rimsting, no lago de Chiem, e antes de casar trabalhara como cozinheira em vários hotéis.

Passou a sua infância e adolescência em Traunstein, uma pequena localidade perto da fronteira com a Áustria, a trinta quilómetros de Salisburgo. Foi neste ambiente, por ele próprio definido «mozarteano», que recebeu a sua formação cristã, humana e cultural.

O período da sua juventude não foi fácil. A fé e a educação da sua família prepararam-no para enfrentar a dura experiência daqueles tempos, em que o regime nazista mantinha um clima de grande hostilidade contra a Igreja Católica. O jovem Joseph viu os nazistas açoitarem o pároco antes da celebração da Santa Missa.

Precisamente nesta complexa situação, descobriu a beleza e a verdade da fé em Cristo; fundamental para ele foi a conduta da sua família, que sempre deu um claro testemunho de bondade e esperança, radicada numa conscienciosa pertença à Igreja.

Nos últimos meses da II Guerra Mundial, foi arrolado nos serviços auxiliares anti-aéreos.

Recebeu a Ordenação Sacerdotal em 29 de Junho de 1951.
Um ano depois, começou a sua actividade de professor na Escola Superior de Freising.

No ano de 1953, doutorou-se em teologia com a tese «Povo e Casa de Deus na doutrina da Igreja de Santo Agostinho». Passados quatro anos, sob a direcção do conhecido professor de teologia fundamental Gottlieb Söhngen, conseguiu a habilitação para a docência com uma dissertação sobre «A teologia da história em São Boaventura».

Depois de desempenhar o cargo de professor de teologia dogmática e fundamental na Escola Superior de Filosofia e Teologia de Freising, continuou a docência em Bonn, de 1959 a 1963; em Münster, de 1963 a 1966; e em Tubinga, de 1966 a 1969. A partir deste ano de 1969, passou a ser catedrático de dogmática e história do dogma na Universidade de Ratisbona, onde ocupou também o cargo de Vice-Reitor da Universidade.
De 1962 a 1965, prestou um notável contributo ao Concílio Vaticano II como «perito»; viera como consultor teológico do Cardeal Joseph Frings, Arcebispo de Colónia.

A sua intensa actividade científica levou-o a desempenhar importantes cargos ao serviço da Conferência Episcopal Alemã e na Comissão Teológica Internacional.

Em 25 de Março de 1977, o Papa Paulo VI nomeou-o Arcebispo de München e Freising. A 28 de Maio seguinte, recebeu a sagração episcopal. Foi o primeiro sacerdote diocesano, depois de oitenta anos, que assumiu o governo pastoral da grande arquidiocese bávara. Escolheu como lema episcopal: «Colaborador da verdade»; assim o explicou ele mesmo: «Parecia-me, por um lado, encontrar nele a ligação entre a tarefa anterior de professor e a minha nova missão; o que estava em jogo, e continua a estar – embora com modalidades diferentes –, é seguir a verdade, estar ao seu serviço. E, por outro, escolhi este lema porque, no mundo actual, omite-se quase totalmente o tema da verdade, parecendo algo demasiado grande para o homem; e, todavia, tudo se desmorona se falta a verdade».

Paulo VI criou-o Cardeal, do título presbiteral de “Santa Maria da Consolação no Tiburtino”, no Consistório de 27 de Junho desse mesmo ano.

Em 1978, participou no Conclave, celebrado de 25 a 26 de Agosto, que elegeu João Paulo I; este nomeou-o seu Enviado especial ao III Congresso Mariológico Internacional que teve lugar em Guayaquil (Equador) de 16 a 24 de Setembro. No mês de Outubro desse mesmo ano, participou também no Conclave que elegeu João Paulo II.

Foi Relator na V Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos realizada em 1980, que tinha como tema «Missão da família cristã no mundo contemporâneo», e Presidente Delegado da VI Assembleia Geral Ordinária, celebrada em 1983, sobre «A reconciliação e a penitência na missão da Igreja».

João Paulo II nomeou-o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e Presidente da Pontifícia Comissão Bíblica e da Comissão Teológica Internacional, em 25 de Novembro de 1981. No dia 15 de Fevereiro de 1982, renunciou ao governo pastoral da arquidiocese de München e Freising. O Papa elevou-o à Ordem dos Bispos, atribuindo-lhe a sede suburbicária de Velletri-Segni, em 5 de Abril de 1993.

Foi Presidente da Comissão encarregada da preparação do Catecismo da Igreja Católica, a qual, após seis anos de trabalho (1986-1992), apresentou ao Santo Padre o novo Catecismo.

A 6 de Novembro de 1998, o Santo Padre aprovou a eleição do Cardeal Ratzinger para Vice-Decano do Colégio Cardinalício, realizada pelos Cardeais da Ordem dos Bispos. E, no dia 30 de Novembro de 2002, aprovou a sua eleição para Decano; com este cargo, foi-lhe atribuída também a sede suburbicária de Óstia.

Em 1999, foi como Enviado especial do Papa às celebrações pelo XII centenário da criação da diocese de Paderborn, Alemanha, que tiveram lugar a 3 de Janeiro.

Desde 13 de Novembro de 2000, era Membro honorário da Academia Pontifícia das Ciências.

Na Cúria Romana, foi Membro do Conselho da Secretaria de Estado para as Relações com os Estados; das Congregações para as Igrejas Orientais, para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, para os Bispos, para a Evangelização dos Povos, para a Educação Católica, para o Clero, e para as Causas dos Santos; dos Conselhos Pontifícios para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e para a Cultura; do Tribunal Supremo da Signatura Apostólica; e das Comissões Pontifícias para a América Latina, «Ecclesia Dei», para a Interpretação Autêntica do Código de Direito Canónico, e para a revisão do Código de Direito Canónico Oriental.

Entre as suas numerosas publicações, ocupam lugar de destaque o livro «Introdução ao Cristianismo», uma compilação de lições universitárias publicadas em 1968 sobre a profissão de fé apostólica, e o livro «Dogma e Revelação» (1973), uma antologia de ensaios, homilias e meditações, dedicadas à pastoral.

Grande ressonância teve a conferência que pronunciou perante a Academia Católica Bávara sobre o tema «Por que continuo ainda na Igreja?»; com a sua habitual clareza, afirmou então: «Só na Igreja é possível ser cristão, não ao lado da Igreja».

No decurso dos anos, continuou abundante a série das suas publicações, constituindo um ponto de referência para muitas pessoas, especialmente para os que queriam entrar em profundidade no estudo da teologia. Em 1985 publicou o livro-entrevista «Relatório sobre a Fé» e, em 1996, «O sal da terra». E, por ocasião do seu septuagésimo aniversário, publicou o livro «Na escola da verdade», onde aparecem ilustrados vários aspectos da sua personalidade e da sua obra por diversos autores.

Recebeu numerosos doutoramentos «honoris causa»: pelo College of St. Thomas em St. Paul (Minnesota, Estados Unidos), em 1984; pela Universidade Católica de Eichstätt, em 1987; pela Universidade Católica de Lima, em 1986; pela Universidade Católica de Lublin, em 1988; pela Universidade de Navarra (Pamplona, Espanha), em 1998; pela Livre Universidade Maria Santíssima Assunta (LUMSA, Roma), em 1999; pela Faculdade de Teologia da Universidade de Wroclaw (Polónia) no ano 2000.

© Copyright - Libreria Editrice Vaticana